terça-feira, 26 de agosto de 2008

Contudo: verso

Chave

do nunca

mais

jogada

ao mar

de silêncio

(nenhum verso)


Lá longe,

acena

um lenço

(o que se lê no verso?)


Do peito,

emerge

uma

única

açucena

(cujo verso desdobra brancura)


Enquanto isso,

a folha

descansa

sonhando-se

planta

(processo inverso)


Enquanto isso,

folha

flor

lenço

plantam-se

neste poema

feito de

emoção

contida

e silêncio

(correção:

feito de

emoção

contida

no silêncio

do verso)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Bichos que moram comigo

Ele me olha com olhos espevitados. É o mais novo habitante da casa, por isso a minha surpresa, hoje de manhã, ao arrumar os vasinhos de violeta sobre a mesa da sala e dar de cara com aquela criatura. Por falar em violeta, são quatro vasinhos e, acreditem, o mais insignificante deles, a plantinha mais mirrada, é a única florida. São quatro flores enormes de cor azul-violeta, maiores que a plantinha, exibidas, expansivas. Os dois olhinhos fixam-me com sorriso faceiro.
Os outros habitantes da casa vieram aos poucos. Duas tartarugas chegaram primeiro (ao contrário daquele conto popular). Isso tem dez anos. Naquela época, quando alguém perguntava se morava só, não sei se para variar nas respostas ou brincar, respondia que éramos três. "Pai e mãe?", perguntavam. "Não, chamam-se Luzia e Andaluzia". "Irmãs?". "Não". "Amigas?" "Também não". Antes que me perguntassem novamente, explicava: "Tartarugas". "Nossa, que legal", a pessoa normalmente exclamava. Contudo, antes que se empolgasse, revelava: "Feitas de pano, umas gracinhas".
São duas tartarugas trabalhadeiras, seguram portas. Apesar de que em Brusque as portas quase não saem do lugar. São mais paradas que tartarugas. Brusque é uma cidade inerte, de pouco movimento, quase sóbria, quase firme demais, talvez seja vento que lhe falte. Ou invento.
Nessa altura, você deve estar curioso para saber dos outros moradores. Pois foi lá em Aracaju que comprei a minha arara. Ela não canta. Não sei se isso é defeito ou qualidade. Pratico ioga e meditação, imaginem a confusão. Bem, se ela não canta, as cores cantam por ela, de um vermelho vivo, asas coloridas. Balança na sacada do apartamento. Ali sim o vento circula. É ela que diz suavemente: venha me fazer voar. Uma cordinha desce do seu corpo de madeira, no qual pendurei um punhado de fitas coloridas de Nosso Senhor do Bonfim. Inspirou-me a criar um novo mantra: arara dança, arara dança...
No quarto-biblioteca, a coruja de cordas em tom cru exibe um laço de fita azul. Em nada atrapalha. É a companheira das noites insones, a vigilante de minha escrita solitária. O bicho mais numeroso desta casa, adivinhem? Borboleta. Após lançar meu livro de poemas ("Borboletras: Poemas Curtos que Voam"), passei a ganhar borboletas dos amigos. Livres: na estante de livros, ao lado do Buda, na mesa da sala, duas pousadas na buganvília da sacada. Belas: uma vermelha que levanta o astral de qualquer um; outra, azul-céu.
Ao passar pela sala, deparo-me novamente com as flores exuberantes da violeta raquítica e com os olhinhos espevitados. Observo atentamente aquele serzinho verde de corpo macio. Sorrio. Um sapo feliz saltou dentro do meu dia. E, apesar de sua pequenez, amaciou a vida.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Como se comportar no trabalho (crônica)

Parece fácil se comportar bem no trabalho, mas não é. Quer ver?
1) Toca um telefone celular que não é o seu quando ninguém está por perto.
a) Você não atende e fica ouvindo aquele barulho chato.
b) Você atende e diz que nunca ouviu falar na Mônica.
c) Você joga o celular da janela e diz que foi o vento.
d) Você atende e finge que é a Mônica.
2) Uma colega fala mal de uma amiga sua. Você:
a) Escuta em silêncio.
b) Sai de fininho e pisa no pé da colega.
c) Escuta pra contar à amiga depois.
d) Tropeça de propósito e derrama suco sobre o vestido da colega.
3) Sabendo que seu chefe não estava, você dá uma saidinha para resolver assuntos particulares. Ao voltar, dá de cara com ele. Então:
a) Diz que foi comprar absorvente.
b) Inventa que foi ao dentista e passa o restante do dia com a boca torta.
c) Diz que foi comprar uma arma, pois a melhor defesa é o ataque.
d) Não diz nada. Aponta para a boca, dando a entender que ficou muda.
4) Um colega faz o maior escarcéu ao perceber que alguém surrupiou seu lanche. Você:
a) Fica vermelho que nem pimentão.
b) Comenta maldosamente que viu migalhas de pão na mesa de fulano. Antes de o passarinho entrar pela janela e comer todas, guloso!
c) Diz que faz a dieta dos carboidratos.
d) Diz que não gosta de presunto e queijo.
5) O celular toca de novo e o proprietário, lógico, está longe.
a) Você não atende porque não escuta: esperto que é, usa fones de ouvido.
b) Faz de conta que gosta da música irritante e começa a dançar.
c) Joga o celular no vaso sanitário e dá descarga.
d) Atende e grita feito louco que não entende nada por causa do sinal.
6) O chefe lhe pede para fazer um memorando justo no momento em que você ia fazer um lanche. Você:
a) Inventa que o papel acabou e sai para comprar mais. Enquanto isso, aproveita pra lanchar.
b) Diz que não se usa mais fazer memorando.
c) Diz: faça você mesmo.
d) Pergunta ao chefe: com quantas árvores se faz uma folha?
7) Você pega um subordinado falando mal de você.
a) Faz de conta que não ouviu.
b) Sorri.
c) Faz cara de brabo.
d) Diz que será a última vez.
8) Você ouve seu chefe falar mal de você.
a) Faz de conta que não ouviu.
b) Chora.
c) Diz que será uma de muitas vezes.
d) Concorda com o chefe. Puxa uma cadeira e passa a falar mal de si mesmo.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Serenidade

Alguém disse que tenho isso
alguém que costuma dizer a verdade

Encontrei um novo ofício:
juntar penas ao longo do caminho

As aves (marias) me escolheram
rezo pelas penas que não sinto

sábado, 9 de agosto de 2008

Morte

Morte, quem és?
Não és tão feia quanto pintam
ou és?

Morte, morte
morro de curiosidade
o medo me mata

Oh, morte,
meta na sua cabeça
meta na minha cabeça
(para todo o sempre):
morrer não dói

Morte, me diga:
em Marte também se morre?

Morte, mistério insolúvel

Cutuco a morte, não com vara curta
cutuco com perguntas

A voz que responde
é morte?